terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Mídia-Educação no contexto escolar: mapeamento crítico dos trabalhos realizados nas escolas de Ensino Fundamental em Florianópolis
Silvio da Costa Pereira
           1. Introdução
Muito além de simples novidades tecnológicas, os diversos meios de comunicação1 que vêm sendo criados a partir do domínio técnico da eletricidade e das ondas eletromagnéticas atuam na produção e na disseminação de cultura, moral e ideologia. Se antes o jornal e os livros já o faziam, isso foi bastante expandido pela massificação do uso dos novos equipamentos, e tem alterado substancialmente a forma de nos comunicarmos. “Ao interferir nos modos de perceber o mundo, de se expressar sobre ele e de transformá-lo, estas técnicas modificam o próprio ser humano” (BELLONI, 2005, p. 17). Faz-se, portanto, necessário, refletir sobre a presença dos meios de comunicação em nossas vidas, para que deles possamos nos apropriar de forma crítica e criativa. Para que possamos escolher quais mídias são mais apropriadas às nossas necessidades pessoais e coletivas, quais usos desejamos dar a cada uma, ou quais usos pretendemos evitar.
Hoje, escola, família, grupos sociais e meios de comunicação são compreendidos como importantes espaços educativos e socializadores. Isso ressalta a importância de haver, dentro das escolas, das famílias e das demais instituições sociais, espaços de reflexão a respeito do papel político, cultural e econômico das mídias. As tecnologias de informação e comunicação mudaram nossas vidas, e por isso cada vez mais pessoas têm passado a se preocupar em mudar a vida das mídias. Embora os fanzines e jornais comunitários já fossem feitos nessa perspectiva, a proliferação de rádios e TVs comunitárias, sites, blogs e o uso de espaços de compartilhamento de produções midiáticas, como o You Tube, são sinais desta crescente necessidade de expressão pública e apropriação do espaço midiático. Aponta também para a ampliação de alternativas à grande mídia, possibilitada pelas novas tecnologias.
Por outro lado também é importante enxergar a explosão do uso de mídias para a comunicação interpessoal. Os múltiplos usos dos celulares (para troca de mensagens de texto, fotos e vídeos, além da tradicional conversa por voz já existente nos telefones fixos) e computadores (MSN, Orkut, e-mails, telefonia por IP, chats, etc.) demonstram a incorporação das novas mídias ao cardápio comunicacional dos brasileiros, em especial dos mais jovens.

2. As bases teóricas
Uma série de pesquisas vêm mostrando que os brasileiros – mas não somente – investem mais tempo vendo TV e navegando na web do que lendo2. Análises de tais pesquisas muitas vezes dão aos textos escritos maior valor cultural que aos textos orais ou visuais, principalmente os de origem popular os das mídias. A relativização deste julgamento, entretanto, já vem ocorrendo à medida que a academia está estudando – e assim legitimando, dentro das diversas áreas de conhecimento – a oralidade, os ‘textos’ visuais e as formas de comunicação das diversas mídias. Oesterreicher (1997) lembra que devemos tomar cuidado para não dicotomizar textos orais e escritos como se fossem opostos. Para ele todos os textos podem ser situados em uma escala contínua que possui dois pólos extremos, um caracterizado pela imediação e outro pela distância comunicativa. Como as imagens também podem ser consideradas ‘textos’ (VILCHES, 1984), podemos extrapolar a linha sugerida por Oesterreicher para um plano discursivo, no qual textos sonoros, imagéticos e escritos coexistem e interagem de forma a criar sentidos. “De forma bastante sucinta é possível afirmar que a linguagem híbrida, tanto da TV, do vídeo, do filme, como do computador, se caracteriza como um complexo processo semiológico que (...) utiliza signos em três diferentes códigos de significação” (OROFINO, 2005, p. 84): o código verbal/ texto (uso da palavra na forma oral ou escrita), o código icônico/imagem (imagem parada ou em movimento, bem como todas as dimensões de composição) e o código sonoro/ som (músicas, ruídos ou onomatopéias, que indicam, apontam ou sugerem alguma informação).
Silverstone (2003, p. 58) já alertava que:
                                     A cidadania do século XXI requer um grau de conhecimento
                                                         que até agora poucos de nós têm. Requer  do indivíduo
                                                 que saiba ler os produtos de mídia e que seja capaz
                                                              de questionar suas estratégias. Isso envolveria capacidades
                                                      que vão além do que foi considerado alfabetização em
                      massa na época da mídia impressa.

Para ele, ler os produtos da mídia implica tanto numa leitura dos textos escritos quanto dos textos sonoros ou visuais transmitidos pela mídia, bem como dos subtextos ideológicos e comerciais que também constituem cada produto midiático. Por isso há a necessidade de uma ampliação da noção de ‘alfabetiza- ção’ para que sejam incluídos nela também outros suportes de transmissão de mensagens. Hoje, a “‘alfabetização/letramento3 nas mídias’ é tão importante para os jovens como as formas mais tradicionais de alfabetização/letramento em relação aos textos impressos” (BUCKINGHAM, 2003, p. 4).
No senso comum, a linguagem audiovisual é tomada como auto-evidente. Mas as mensagens das mídias são textos complexos, que possuem gramática própria e que são usados para expressar conceitos e idéias sobre o mundo (CENTER FOR MEDIA LITERACY, 2003, p. 1). Por isso tanto a alfabetização quanto o letramento midiáticos precisam ser promovidos junto a jovens e adultos, para auxiliá-los a ler e escrever, de forma autônoma, crítica e criativa, através das diversas possibilidades comunicativas existentes.
Belloni (2005, p. 7) constata que a introdução das tecnologias de informação e comunicação ao longo do século 20 trouxe para o cotidiano das pessoas uma série de mudanças nos modos de acesso ao conhecimento, nas formas de relacionamento interpessoal, nas instituições e processos sociais, entre outras. A vida cotidiana está hoje mergulhada nas modernas tecnologias de comunicação, e isso traz grandes desafios para o campo da Educação, tanto em termos de intervenção quanto de reflexão. Citando Porcher e Friedmann, a autora destaca que o mundo contemporâneo é caracterizado por uma tecnificação crescente, não só do mundo do trabalho, “mas das outras esferas da vida social, o lazer, a cultura, as relações pessoais” (BELLONI, 2005, p. 17).
Por isso, não há mídia que não possa ser usada na escola. Posto que estão no mundo, e que são usadas no espaço extraescolar por alunos e professoras, deveria ser do interesse da escola usá-las ou refletir junto aos alunos sobre o modo como as usamos. A integração entre as tecnologias de informação e comunicação (TICs) e a educação deve se dar em duas dimensões indissociáveis (BELLONI, 2005, p. 9): como ferramenta pedagógica e como objeto de estudo. Buckingham alerta para uma terceira dimensão fundamental do trabalho: o uso como veículo de expressão. “Ao enfatizar o desenvolvimento da criatividade dos jovens e sua participação na produção de mídia os mídia-educadores estão habilitando suas vozes a se fazerem ouvidas” (BUCKINGHAM, 2003, p. 14). Essa é uma perspectiva de formação para a cidadania do século 21, porque os jovens precisam não só aprender a ler, mas também a ‘escrever’ através dos meios de comunicação de seu tempo.
Uma possível abordagem para o trabalho de mídia-educação escolar é feita através do uso de conceitos ou aspectoschave, que expressam compreensões conceituais a respeito das mídias. A proposta, criada pelo British Film Institute (BFI) para uma abordagem curricular das mídias nas escolas primárias inglesas, foi difundida por Bazalgette (1992), e está baseada em seis conceitos:
- Agências: pensar a respeito de quem age na construção dos textos midiáticos, pois geralmente não está claro quais forças agem sobre eles para que se constituam da forma como são. É importante não ficar apenas nos interesses empresariais, mas buscar incluir as contestações, as negociações e todos as influências internas e externas. A produção de mídia junto aos alunos, de forma coletiva e refletida, irá auxiliar na compreensão das diversas forças que influem sobre o texto midiático.
-Categorias: a representação através de categorias (notícias, esportes, novelas, documentários ou programas humorísticos, entre outras) “fornece as compreensões iniciais a partir das quais as audiências se tornam aptas a reconhecer as características tais como as formas e as convenções de uma mídia em particular” (BAZALGETTE, 1992, p. 208). Também é importante refletir sobre como as categorias produzem expectativas e afetam o modo como os textos midiá- ticos são lidos. A prática é importante porque, por exemplo, permite descobrir o que acontece quando se inverte ou altera as convenções.
-Tecnologia: o fator tecnológico é importante porque altera não somente o texto em si (forma e conteúdo) como também a audiência a quem os textos podem chegar. O foco aqui não deve ser a aquisição de habilidades técnicas, mas sim a tomada de consciência do que pode ser feito com as tecnologias disponíveis. Muitas educadoras encontram problemas para abordá-lo, pois comumente têm menos habilidades e conhecimentos técnicos que boa parte dos alunos.
-Linguagens: é através delas que os significados dos ‘textos’ midiáticos são construídos. Essas linguagens irão influir na leitura que os receptores fazem de cada texto, em cada mídia. O trabalho deve estimular “as crianças a observar e pensar a respeito das características que estão presentes, ao invés de passar diretamente para a interpretação e a avaliação” (BAZALGETTE, 1992, p. 212). O trabalho prático “amplia as habilidades das crianças para predizer, controlar e falar a respeito do caminho pelo qual a estruturação e a edição podem ser feitas para afetar o significado” (BAZALGETTE, 1992, p. 212). Bazalgette alerta para que não se supervalorize os aspectos relacionados à manipulação da linguagem, que é apenas um dos assuntos a serem destacados.
- Audiências: um dos pressupostos básicos da mídia-educação é que as audiências constroem sentidos a partir dos textos midiáticos, respondendo a fatores individuais e coletivos. Tanto a análise quanto a produção irão auxiliar na compreensão de como os textos midiáticos podem ser construídos de forma a responderem as expectativas de um determinado grupo. Valorizar demais as possibilidades de manipulação implica assumir grande dose de passividade por parte das audiências.
- Representação: implica problematizar a forma como o mundo é visto através dos textos midiáticos. O pressuposto básico aqui é o de que todos os textos – não só os produzidos pela mídia – são construídos, e portanto jamais serão um espelho da realidade. O que os textos apresentam são pontos de vista do mundo, construídos por pessoas. É importante levar em consideração, além do próprio texto e do mundo real que ele busca representar, também a audiência e o produtor de mídia. Centrar o foco em temas como manipulação, estereó-tipos ou ideologia é pouco recomendável, uma vez que esta é apenas uma das possibilidades de representação dos textos. Abordar a representação na sua relação entre texto e mundo real
                                         possibilita que façamos poderosas ligações entre a representação e
                                                                 cada um dos aspectos-chave. Em cada um dos níveis de decisão da
                                                                                  produção (agência), escolhas são feitas a respeito da seleção,
                                                          exclusão e inclusão, bem como a respeito das categorias e das
                                                           tecnologias. Tais escolhas afetam a forma como os textos fazem
                                                         sentido (linguagem) bem como a forma como nós construímos
                                                          os sentidos a partir deles (audiência). (Bazalgette, 1992, p. 218)
Bazalgette no entanto alerta que os aspectos-chave não devem ser tomados nem como leis nem como um currículo de mídia-educação, no qual agência será ensinada em uma período, depois categorias e assim por diante.

3. A pesquisa de campo
A pesquisa que realizei teve o objetivo de mapear os trabalhos que vinham sendo realizados com, sobre ou através das mídias nas escolas de ensino fundamental da cidade, e depois conhecer em detalhes algumas destas atividades. O trabalho de campo foi realizado em duas etapas. Na primeira etapa busquei dados gerais a respeito dos usos das mídias nas escolas. Tive retorno de 83 das 118 escolas (70%) do município. As informações foram obtidas com o corpo diretivo (particulares e estaduais) e com as coordenadoras de salas informatizadas (municipais)
A partir dos dados obtidos na primeira etapa, escolhi três escolas (uma municipal, uma estadual e uma particular) nas quais pude aprofundar as observações. Em todas as três haviam trabalhos sendo realizados com, sobre ou através das diversas mídias, bem como salas de computadores em uso. Entrevistei 14 professoras e acompanhei atividades de sala em 5 turmas. Dez trabalhos envolviam alunos de 5ª a 8ª série e 4 turmas de séries iniciais. Entrevistei também outras pessoas que considerei relevantes para o trabalho (um diretor e uma diretora, duas professoras responsáveis pelas salas de computadores, uma estagiária, uma coordenadora de estágio e 18 alunos).
Em grande parte das escolas houve associação entre ‘mídia’ e ‘computador’. Houve também muito interesse por informações a respeito dos usos e da crítica aos usos das mídias. Ao longo da pesquisa foi ficando evidente a influência dos meios de comunicação na vida dos alunos, das professoras e das próprias escolas (alunos que usam roupas da moda ou matam aulas para ir a Lan Houses, professoras que usam melhor os celulares do que os computadores, projetos tematizados a partir de eventos badalados na mídia, etc.). Notei também que a presença física nem sempre correspondia ao uso dos equipamentos, e que o uso não necessariamente implicava em uma reflexão sobre o consumo dos meios nem na produção por parte dos alunos.
Filmes e vídeos são fartamente usados nas escolas. Não conheci nenhuma instituição que não tivesse TV e aparelho de DVD ou videocassete. Os filmes geralmente vêm de locadoras ou do acervo das Secretarias de Educação. O uso principal está relacionado a objetivos didáticos e pedagógicos (motivar uma atividade, abordar temas específicos, provocar reflexões, ressaltar assuntos ou conceitos, etc.), mas há também usos lúdicos e morais. É comum a realização de atividades após a exibição dos filmes. Encontrei 28 escolas nas quais os alunos produziram vídeos, mas na maioria tal produção parece ser apenas uma forma de apresentação de trabalhos ou projetos. Em 10 escolas soube que professoras filmam atividades e eventos para registro. Também encontrei escolas que filmam os alunos para trabalhar problemas de timidez, gagueira e postura. Os vídeos foram a única mídia que encontrei nas três escolas da segunda etapa sendo usados como ferramenta pedagógica e como espaço de produção dos alunos. Em uma escola também era feita análise crítica de filmes. Essas três abordagens são importantes porque caracterizam o tripé defendido por Buckingham (2003) para o trabalho em mídia-educação. Uma professora do 1º ano usou filmes para estimular a produção de estórias: “o objetivo é trazer uma outra linguagem para a sala de aula. Porque a gente usa muito o quadro e giz, coisa escrita, texto”, disse ela. As estórias criadas através de desenhos eram apresentadas em uma TV de papelão. Uma professora de 2ª série montava no quadro um resumo com tudo que os alunos haviam observado sobre o filme. Na particular, os alunos do 8º ano estudam noções sobre cinema: o papel do cinema na sociedade, os padrões de beleza e de comportamento veiculados, a indústria cinematográfica, entre outros. Aquilo que ‘está por trás’ (expressão muito usada na escola) do filme, era o foco da análise crítica. Na municipal um vídeo foi produzido por estagiárias de uma universidade local junto aos alunos da 4ª série, a partir de uma situação ligada ao meio ambiente e vivenciada pelas crianças. A partir de uma storyboard criada pelas estagi- árias foi feito o roteiro junto aos alunos, que depois interpretaram os papéis e fizeram as filmagens. A edição foi feita pelas estagiárias. Na estadual houve produção de vídeos e animações pelos alunos da 4ª série. O trabalho nasceu da vontade da professora em registrar as atividades com os alunos. A transição de fotos para vídeos se deu quando essa professora emprestou sua máquina fotográfica (que também filma) para uma sobrinha de 15 anos: “ela fez um filminho para a aula de inglês (...). Os atores eram ela e os amigos. Eu me encantei! (...) Aí ela me ensinou como é que se usava”. Assim que dominou minimamente a técnica de filmagem e edição, a professora propôs às crianças a realização de pequenos filmes, a partir de histórias criadas por eles ou tiradas de livros. A turma foi dividida em grupos, e enquanto um trabalhava os demais faziam atividades de matemática, geografia, etc. “Não precisa fazer igual ao livro. A gente pode mudar um pouco, pode fazer alguma coisa a mais” disse uma aluna. Quando resolvem as adaptações e a divisão de papéis, eles têm em mãos o roteiro. A filmagem e edição foram feitas pela professora, e os filmes colocados na comunidade da turma no Orkut. A produção de animações se deu a partir de um artigo da revista Nova Escola. Ela também estimulou as colegas de séries iniciais a registrar as atividades que realizavam. A professora do 1º ano gostou da ideia e realizou com os alunos um vídeo sobre a pirâmide alimentar, que acabou sendo utilizado como material didático por outras turmas.
A influência da TV foi vista nos temas abordados em projetos e trabalhos. Fisicamente, a TV chega através de antenas parabólicas ou cabo. Das 40 que disseram não ter conexão com TV, 12 afirmaram ter perdido o acesso à TV Escola (parabólica) por falta de manutenção. Entretanto, 15 das 27 que disseram receber sinal de TV informaram que não o utilizam para nenhuma atividade pedagógica. Apenas 12 disseram gravar ou assistir programas, mas houve indicação de pouco uso das gravações. A TV se faz presente na sala de aula através dos comentários dos alunos. Não parece comum, entretanto, que esse tema seja pensado como parte das aulas pelas docentes. Uma professora de 4ª série disse que tinha “um pé atrás com a televisão”, porque as crianças já a assistem muito, e apontou a necessidade de promover a discussão sobre consumo de TV junto às famílias, o que já foi feito na escola particular.
Apenas 25 escolas indicaram possuir máquinas fotográficas, mas a presença pode ser maior, pois em algumas que não informaram possuí-las foram registrados trabalhos com fotografia. O uso apareceu nas duas etapas como apoio pedagógico – imagens de livros ou internet para ilustrar as aulas -, registro de atividades (geralmente feito pelas professoras ou corpo técnico) e elemento auxiliar a projetos ou trabalhos (por exemplo, a produção de cartões postais da cidade a partir da ótica dos alunos). A produção de imagens para trabalhos ou projetos parece estar sendo estimulada a partir da aquisição de maquinas digitais nas escolas que possuem (e usam) computadores. Também vi um trabalho de leitura de imagens e um de fotografia pin-hole. Uma ausência sentida foi a produção de fotografias para os jornais escolares.
Na primeira etapa soube de 8 rádios em atividade: 3 via internet, duas nos intervalos, uma mista (web e recreio) e uma através de emissora comercial (uma não especificou). Identifiquei 13 experiências descontinuadas, sendo que 12 funcionavam nos intervalos e uma transmitia em emissora comunitária. A maioria dos projetos (7) que já não existem foi encerrada após o afastamento da pessoa responsável. As músicas tocadas parecem constituir um dos problemas das rádios (brigas entre ‘tribos’ e com a direção), mas nas escolas onde havia educadoras junto aos projetos as divergências parecem não causar problemas graves. Isso sugere a importância das rádios não serem apenas musicais, mas integrarem atividades como notícias, rádio-teatro, recados ou debates. Outras atividades também são realizadas nas escolas com o uso da mídia áudio: gravação da voz para trabalhar timidez ou gagueira e gravação de músicas ou histórias. Os trabalhos acompanhados na segunda etapa concentram-se basicamente na produção, sendo algumas análises ou audições feitas em função disso. Não encontrei o uso como apoio pedagógico nem tampouco reflexão sobre o consumo (exceto música). A rádio da escola municipal funcionou ao vivo nos primeiros meses, mas com a saída da professora coordenadora e a entrada de estagiários de uma universidade local, o projeto passou a ser pré-gravado com computadores. Ao vivo, a entrada e saída de colegas da sala onde funcionava a rádio provocava constrangimentos nos alunos. A pesquisa para a redação dos programas era feita basicamente na internet, e os CDs de música trazidos de casa. Para orientar a apresentação era feito roteiro com os textos e a indicação de músicas. Co a entrada dos estagiários os alunos aprenderam a usar um software de gravação e edição de áudio. Houve conversas sobre rádio e sobre os gostos individuais, ouvindo programas pré-gravados ou ao vivo. Uma estagiária relatou que os alunos reconheciam as emissoras comerciais pelo estilo musical tocado. A produção dos programas iniciava pela escolha das músicas. Ao defini-las os alunos partiam para a pesquisa e depois elaboravam textos curtos, para serem lidos entre as músicas. A gravação e edição eram feitas pelos alunos: um fazia locução e outro operava o programa. A gravação em CD era feita pelos estagiários. Houve indicação de que o uso do computador era um estímulo à participação nas oficinas. Paralelo a esse trabalho, mas sem que houvesse interação entre ambos, os alunos de 7ª série criaram programas sobre gêneros musicais para a disciplina de Artes/Música. Na escola particular os alunos do 8º ano também produziram programas sobre gêneros musicais. O projeto iniciou quando a escola percebeu que o leque de opções musicais dos alunos era “só Funk e as mais tocadas na Jovem Pan”. Eles estudaram o texto de rádio, e realizaram pesquisa na web. Tanto na particular quanto na municipal, os alunos não puderam escolher o gênero musical sobre o qual fariam o programa, o que parece ter desestimulado alguns. Em ambos os casos eles redigiram os textos, gravaram as vozes e escolheram as músicas, mas não fizeram a edição. Na estadual a rádio foi a forma encontrada por educadores voluntários para continuar um trabalho de reflexão sobre os meios de comunicação, iniciado em 2006. Ela era realizada no contraturno, com a participação de poucos alunos. Gravar e ouvir a própria voz relativizou a idéia de que é preciso ter ‘voz de locutor’ para falar em rádio. Foram gravados, em fita cassete, pequenos programas sobre temas de interesse dos alunos, mas poucos foram apresentados durante os recreios.
Na primeira etapa 64 escolas indicaram ter salas de computadores, a maioria (61) com acesso à internet. Pouco mais da metade das que possuem tais espaços afirmou contar com uma professora (27) ou técnica (9) exclusiva, sendo que em 27 escolas a professora que quiser utilizar os computadores precisa encarar esta tarefa sozinha. Em uma escola estadual5 a diretora externou preocupação ouvi diversas outras vezes: “eles têm uma política meio estranha. Mandam equipamento, mas como fazer? A sala é pequena, tem de dividir a turma. E quem cuida da sala com computador? O professor é só um!”. Outra informante disse que “as crianças dão um banho”, referindo-se ao medo da maioria das professoras em trabalhar sozinhas com os alunos por saber menos do que eles. A falta de capacitação das docentes e de manutenção dos equipamentos foi diversas vezes destacada. Também recebi relatos de resistência ao uso de Linux. Uma diretora lembrou que a professora precisa ter domínio teórico da relação entre educação e comunicação, e que o ‘como fazer’ pode ficar a cargo de uma professora específica das salas de computadores, áudio ou vídeo. Mas relativizou essa desnecessidade de saber técnico ao relatar os resultados de uma oficina de edição de vídeos, fotos e textos realizada na escola. Quem a fez viu que não é difícil produzir mídias, e que as professoras não precisam ter medo de que os alunos saibam mais – tecnicamente falando – do que elas. Pois se elas tem essa fragilidade – e o aluno enxerga isso –sabem o que é possível, sabe pensar o conjunto, criticar o resultado, têm conhecimentos práticos para isso. Vendo que é simples de fazer, as professoras deixaram de se impressionar por apresentações bonitas e pela habilidade técnica dos alunos, passando a buscar o conteúdo, mesmo nos trabalhos bem apresentados. O fato de a oficina ter sido ministrada pelo técnico da sala de computadores trouxe outro resultado interessante: a professora se deu conta de que, nas aulas que envolvam tecnologia e mídias, pode contar com a parceria dele. O uso mais citado das salas de computadores foi a pesquisa na internet, seguido pela produção e apresentação de trabalhos. Aulas de informática foram encontradas em 11 escolas, sendo que nas 4 públicas que o fazem 3 atendem clientela de baixa renda e justificaram o uso como inclusão digital ou preparação para o mundo do trabalho. O uso mais polêmico fica por conta da dupla MSN-Orkut: apesar da relevância de tais ferramentas para os jovens6, muitas escolas proíbem seu uso. Também tive escassos registros do uso do computador como meio de comunicação interpessoal ou interescolar. A forma de produção de trabalhos mais comumente citada foi a digitação e formatação de textos, às vezes incluindo neles imagens da internet ou fotografias. Embora muitas escolas possuam sites, não recebi relatos da participação de alunos na criação deles. Mas tive notícia do uso dos computadores para produção de blogs, sites, jornais, panfletos e livros (impressos ou virtuais), bem como programas em áudio e vídeo. O mais comum é que estas produções sejam feitas para a apresentação de algum trabalho ou projeto, mas o objetivo pode ser a própria criação da mídia, como ocorre em algumas rádios-escolares. Há ainda a produção de mídias - como livros ou jornais – para a veiculação de trabalhos feitos pelos alunos.
Na escola estadual a Assistente Técnico-Pedagógica que cuida, em tempo parcial, da sala de computadores, disse que foi selecionada para a função porque “tinha mais gosto por informática e não tinha ninguém, na época, e acredito que ainda não tenha, que goste dessa área”, e que não recebeu formação do estado para este trabalho. Na municipal a coordenadora da sala informatizada disse que as professoras de 5ª a 8ª série usam menos o espaço e atrelam mais os trabalhos aos conteúdos, e que as professoras temporárias usam pouco a sala. Na estadual os usos são limitados por problemas técnicos. Alguns computadores foram montados com peças de diversas máquinas doadas, e muitos não são compatíveis com os hábitos multitarefa dos jovens. Para não deixar a rede lenta demais, a professora pede aos alunos que acessem apenas um site por vez. Embora contem com uma política de formação continuada, as professoras da escola municipal também relataram dificuldades, dizendo que cursos curtos não são suficientes para levá-las do desconhecimento ao uso independente dos programas. Além disso não há cursos sobre usos básicos de computadores, o que elas aprendem com os filhos, sozinhas, ou às vezes pagando cursos do próprio bolso. O uso da internet vem potencializando as pesquisas - por possuir um acervo incomparavelmente maior que o de qualquer biblioteca escolar – as quais, no entanto, se limitam a textos e imagens estáticas. Sons e imagens em movimento parecem não se constituir em fontes de informação para as escolas. Perguntei a um aluno como ele acha o que deseja na internet, e ele disse: “a gente digita o nome do que quer, por exemplo ‘mulher’, e aí vem um monte de imagens e a gente escolhe”. Dentro desta metodologia nem as dificuldades ortográficas atrapalhavam a pesquisa, pois eles sabiam, visualmente, o que queriam. O principal motor de busca usado era o Google e a principal fonte de informações a Wikipedia. Perguntei a um aluno porque eles usavam tanto a Wikipedia e ele disse que vão lá porque sabem que ali tem tudo bem explicado. Quando encontram o que desejam, ‘copiam’ e ‘colam’ textos e imagens. Essa é uma prática desestimulada por muitas professoras, que dizem ser fácil reconhecer quando um aluno copia algo da internet: o vocabulário usado não é o do cotidiano deles. Para a coordenadora da sala informatizada da escola municipal, é comum ter alunos que copiam textos inteiros da internet “porque os próprios professores copiam e colam”. Junto ao trabalho de pesquisa vi alunos acessando Orkut, You Tube ou outros sites. O fato é que eles têm uma grande habilidade para trocar de janela ou fechá-las rapidamente quando a professora se aproxima.
Embora tenha sido constatado um uso intenso de telefones celulares tanto por parte das professoras quanto dos alunos, em escolas públicas e particulares, não tive relatos de trabalhos com essa mídia. Atividades com jogos eletrônicos ainda são restritas a poucas experiências, embora o uso desta mídia seja comum entre os alunos.
Em todas as escolas encontrei diversos títulos de jornais e revistas atualizados. O uso mais citado foi a leitura de matérias ou artigos relacionados ao tema trabalhado em sala. A leitura algumas vezes é seguida de discussão sobre o conteúdo. Parece haver pouca preocupação quanto à qualificação das professoras para o uso de impressos em sala. Os únicos registros de formação que encontrei partiram das próprias empresas de comunicação, através de programas de estímulo à leitura de jornais ou de encartes das revistas semanais. Tive contato com produção de jornais (10), histórias em quadrinhos (18), livros (5) e outras mídias impressas, como jornais-mural, folders, rótulos e panfletos. Na segunda etapa as atividades que conheci com jornais envolveram leitura e produção. A leitura servia tanto para permitir às crianças pequenas ter contato com um tipo de literatura que não era comum para elas quanto para promover um debate sobre o que ficava de fora do jornal (‘nãonotícias’), com pré-adolescentes. A produção foi a forma encontrada pela professora de 4ª série (estadual) para estimular a escrita dos alunos: “para mim não tem sentido você fazer só para ir ali e ganhar uma nota. Eu penso que o aluno tem que fazer para servir para alguma coisa, para alguém ler”. Editado mensalmente há 5 anos, o jornal relata as atividades da turma. A partir dessa experiência foi criado um jornal de toda escola, publicado poucas vezes devido à fraca participação das professoras. Em 2007 ele foi feito porque uma Assistente TécnicoPedagógica assumiu o trabalho. Com os alunos, ela analisou alguns jornais: as partes que os compunham, o uso de imagens, a distribuição dos elementos na página, o que é notícia. Depois pensaram nos temas que poderiam ser abordados. A diagramação foi feita pela própria Assistente. Na escola municipal o jornal é feito há cerca de sete anos, tendo sempre à frente a mesma professora de Português. Ela relata que cada afastamento seu da coordenação provocou uma paralisação das atividades. Em 2007 o jornal foi feito por um grupo de alunos da 8ª série, e a diagramação pela coordenadora da sala informatizada. Leitura e produção de histórias em quadrinhos também foram encontradas. Uma professora da 2ª série (municipal) disse que ao associar o desenho aos balões de texto, notou estímulo à criação. “Eles começam a escrever sem aquele medo. Inventar uma história sem desenhar, e escrever diretamente, saíam duas frases, no máximo”. Os desenhos usaram figuras prontas de um software. A criação estava em usá-las para montar cenas, e com estas cenas contar uma história. Os textos eram adicionados em Word ou Power Point. Leitura crítica e produção de HQs faz parte do currículo do 8º ano na escola particular. Eles analisam as mensagens que as histórias transmitem, atividade que geral alguns conflitos: “alguns estudantes relutam bastante porque gostam da personagem. (...) Então ele não pensa no que está por trás. É difícil. Porque são adolescentes” (diretora). Para a produção eles estudam balões, expressões fisionômicas, onomatopéias, diagramação dos quadros e outros elementos gráficos. A partir de um projeto de Ciências foi definida a temática (pesca) da produção, inicialmente rejeitada por alguns alunos, que gostariam de tê-la escolhido.
Embora o uso das mídias nas escolas seja razoavelmente grande, não é possível dizer que refletir sobre os usos seja uma atividade comum. Encontrei apenas 18 citações, nas 83 escolas visitadas, basicamente em três espaços: disciplinas sobre cidadania, comunicação ou ética/moral (6 escolas); disciplinas curriculares, em debates ou interesses específicos (6 escolas); atividades/disciplinas que usam ou produzem mídias (3 escolas). Isso sugere que a maioria das reflexões ocorrem descoladas da produção (e, aparentemente, mesmo do uso) de mídias, e possivelmente em um viés de leitura crítica. Mas a reflexão sobre o consumo de mídias também pode ocorrer em reuniões pedagógicas ou com os pais. Um trabalho de reflexão crítica sobre o conteúdo publicitário foi realizado com alunos da 8ª série (estadual, pela professora de Português. A opção pela mídia impressa se deu pela praticidade. “Se eu fosse envolver outros tipos de mídia (...) eu teria que fazer seleção, gravar propagandas, procurar. E às vezes o tempo não dá, o horário da gente é bem carregado”. Na escola municipal os alunos de 5ª e de 8ª série também trabalharam com propaganda e publicidade. Uma das atividades realizadas partiu da observação da linguagem usada em propagandas de jornais e revistas para permitir aos alunos criar textos de campanhas próprias.
4. Conclusões
Há computadores, máquinas fotográficas, jornais, revistas, gibis, acesso à internet e até filmadoras em boa parte das escolas de ensino fundamental de Florianópolis. Entretanto, não parece estar havendo formação suficiente ou adequada das professoras que promova ou estimule usos críticos e criativos. Os gestores das escolas parecem não levar em conta que muitas das professoras atuais nasceram em um mundo sem muitas das mídias disponíveis hoje. Apesar de enxergar que as crianças são consumidoras de um vasto leque de mídias, a maioria das professoras parece ainda não ter se dado conta de que poderia ser mediadora desses usos. E, muitas das que vislumbram tal possibilidade, parecem não saber como fazê-lo. Desta forma, os aspectos-chave pensados por Bazalgette (1992) orientam a análise do que foi observado.

-Agência: este aspecto não pareceu ser relevante nos trabalhos que conheci. Quando muito, havia destaque sobre os interesses empresariais que influenciam o que é ou não veiculado.
-Categoria: embora tenha visto a utilização de certas categorias na produção de mídias – notícias e filmes, por exemplo – não notei preocupação em refletir a respeito delas. Isso apareceu, embora apenas brevemente, na introdução aos trabalhos de jornal e rádio.
-Tecnologia: é um aspecto bastante trabalhado, mas geralmente através de um viés de aquisição de habilidades: os alunos eram estimulados a aprender a manusear câmeras, montar apresentações no computador, digitar textos ou pesquisar na internet, e não a refletir sobre quais tecnologias poderiam usar. A definição, já no início do trabalho, da tecnologia a ser empregada, inviabiliza que se pense nas outras tecnologias possíveis de serem usadas para resolver o problema de comunicação posto. A abordagem é complicada pelo fato de que muitas professoras possuem um conhecimento sobre tecnologias mais limitado que o dos alunos.
-Audiência: não vi trabalhos que levassem os alunos a se verem enquanto audiências das diversas mídias. O fato de eles – e também as professoras – serem consumidores de diversas mídias não era posto em discussão. A audiência das mídias produzidas pelos alunos apareceu apenas no projeto de rádio da escola municipal, quando os colegas fizeram comentários a respeito dos programas e músicas.
- Representação: esta preocupação apareceu em diversas escolas, mas por um viés ideológico. Ao invés de levar os alunos a ver que existem diferentes pontos de vista a partir dos quais se observa o mundo, essa análise crítica ressaltava apenas o que aquele determinado ponto de vista não mostrava. Desta forma a escola não deixava em relevo seu próprio ponto de
observação do mundo.

                Desta forma os aspectos ligados à tecnologia, linguagem e representação foram os mais trabalhados. Mesmo assim, algumas abordagens são privilegiadas, como por exemplo a aquisição de habilidades (tecnologia) ou um viés ideológico (representação). Agência, categorias e audiência foram os aspectos menos abordados. Isso aponta um caminho em construção, que quer ultrapassar o simples uso para chegar a um uso reflexivo e também expressivo.

Referências Bibliográficas
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SILVERSTONE, Roger. Inventar o quinto poder. Entrevista à Ubiratan Muarrek. Revista Carta Capital. São Paulo, edição 227, 12/02/2003, p. 58.

VILCHES, Lorenzo. La lectura de la imagem: prensa, cine, televisión. Ediciones Paidós. Barcelona, 1984. 8ª edição.

1 Considero ‘meios de comunicação’ ou ‘mídias’ todas as interfaces modernas de comunicação (rádio, TV, computador, telefone, cinema, jornal, videogame, etc.), independente da tecnologia empregada.
2 Os brasileiros passam 18,4 horas semanais assistindo TV, 17,2 horas ouvindo rádio e 10,5 horas navegando na internet para assuntos não relacionados ao trabalho, e investem apenas 5,2 horas consumindo mídias impressas (NOP World - www.nopworld. com). A forte relação brasileira com a TV é reforçada pela pesquisa Kiddo´s - Latin America Kids Study 2003 (ANDI, 2005, p.1): entre os entrevistados brasileiros, 99% tem a televisão como principal veículo de entretenimento e 81% a assistem duas horas ou mais por dia.
3 Por entender que o autor não separa a aquisição da tecnologia de seu uso social, traduzi literacy como alfabetização/letramento.
4 Capacidade de agir.
5 Diferente das escolas municipais, que contam com uma Coordenadora para cada sala informatizada, nas escolas estaduais só profissionais readaptadas são aceitas para atuar exclusivamente ali.
6 Segundo pesquisa realizada pelo Ibope/NetRatings (Veja – ed. 2017-18/jul/2007) com meninos e meninas entre 2 e 11 anos que acessam a internet, 68% usam a rede para pesquisar em sites de busca, 66% para bate-papo (MSN, ICQ e outros), 63% para participar de comunidades (Orkut, MySpace, ...) e apenas 22% para trabalhos de escola e 13% para alimentar blogs ou fotologs.

Acesso:23/02/2015

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